sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Pescadoras aprovam medidas em favor dos trabalhadores da pesca artesanal na 16ª Conferência Nacional de Saúde

A 16ª Conferência Nacional de Saúde foi encerrada em Brasília, no dia 7 de agosto, e apresentou uma
novidade para as pescadoras e pescadores artesanais do Brasil. Pela primeira vez, pescadoras da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) e do Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP) participaram do evento como delegadas. Mirelly Gonçalves, de Pernambuco, e Maria de Lourdes Leppause em conjunto com Rosinéa Pereira Vieira, ambas do estado do Espírito Santo, foram as representantes da pesca artesanal no encontro. Além de votarem e participarem das discussões, as delegadas apresentaram duas propostas ligadas diretamente à pesca artesanal, que foram aprovadas para serem incluídas nas diretrizes e políticas públicas para o Plano Nacional de Saúde. 

A primeira proposta aprovada assegura a implementação de uma política do trabalhador da pesca que garanta a distribuição de repelentes e protetores solares para os pescadores e pescadoras artesanais, já que muitos trabalhadores da pesca sofrem com doenças de pele causadas pelo forte sol, além de correrem o risco de adoecerem de câncer pelo uso de querosene para repelir insetos. A segunda proposta fala da criação do programa de saúde do pescador e pescadora, em consonância com os direitos da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, das Florestas e das Águas (PNSIPCFA), com acompanhamento de agentes comunitários de saúde.

As propostas foram incluídas no debate nacional, a partir do estado do Espírito Santo. Após serem aprovadas nas conferências municipal e estadual de saúde, as duas diretrizes foram defendidas e aprovadas na Conferência Nacional de Saúde. Para a pescadora do Espírito Santo, Maria de Lourdes Leppause, que foi uma das responsáveis por incluir as medidas na construção das diretrizes e das políticas públicas para o Plano Nacional de Saúde, o objetivo agora é fazer com que as políticas se concretizem. “Após a aprovação, o que a gente quer agora é que as políticas sejam implementadas”, defende.  

A participação vitoriosa das pescadoras na Conferência Nacional de Saúde, na opinião de Maria de Lourdes, é creditada ao trabalho desenvolvido pela ANP. “Foi aquele projeto que fez esse encaminhamento para nós. Se não fosse aquele projeto, junto com os professores, não teríamos chegado aqui. Estaríamos até hoje sem saber de nada para reivindicar os nossos direitos”, defende.

O projeto ao qual Maria de Lourdes se refere, é o "Educação em Saúde do Trabalhador da Pesca Artesanal e Formação de Agentes Multiplicadoras em Participação na Gestão do SUS". Iniciado em 2016, o processo de formação foi uma iniciativa da ANP em parceria com a UFBA, com o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e com o apoio do Ministério da Saúde, que ajudou a formar 420 pescadoras de 16 estados durante dois anos. O processo de formação, além de trazer informações sobre o SUS e refletir sobre a exaustiva jornada de trabalho das pescadoras, também estimulou a inserção das participantes nos Conselhos Municipais de Saúde. Essa participação foi o pontapé inicial para incidir nas políticas municipais de atenção à saúde, mas também a porta de entrada para a participação na Conferência Nacional de Saúde. Toda essa formação resultou na cartilha “A saúde das pescadoras artesanais” (Acesse as Cartilhas para atividades de pesca: Mariscagem e pesca em mar aberto e Rios Lagos e Lagoas), que foi usada de base para a formulação das propostas levadas pelas pescadoras.

Apesar dessa vitória inicial, acessar espaços onde se discute saúde, seja nos Conselhos Municipais, Estaduais ou na Conferência Nacional de Saúde, ainda é algo difícil para a maioria das pescadoras. “O mais difícil é a gente chegar a ter direito à cadeira do Conselho Municipal de Saúde, como usuário. Às vezes quando não temos o conhecimento, a gente não sabe quais são os nossos direitos e hoje eu estou aqui nessa Conferência Nacional, mas reconheço as dificuldades”, avalia a pescadora do município de São José da Coroa Grande (PE), Mirelly Gonçalves.  A pescadora também aponta que muitos secretários de saúde dificultam a participação dos usuários. “Na maioria dos municípios, são os Secretários de Saúde que são os presidentes dos Conselhos, eles fazem as suas reuniões em salas fechadas e não dão direito aos usuários de participarem, nem dos representantes de entidades”, critica. Algo que ela pôde constatar após verificar as atas das reuniões do Conselho Municipal de Saúde antes da sua entrada. Nos livros com os relatos das reuniões, constavam apenas as assinaturas do Secretário de Saúde do município e dos servidores.

A própria participação de Mirelly na Conferência Nacional de Saúde envolveu muita persistência e dedicação. Após participar até o final da Conferência Municipal de Saúde e ter sido a única usuária que ficou até o fim, ela foi escolhida como delegada, o que permitiu a participação na Conferência Macrorregional, onde concorreu com delegados de 22 municípios e foi escolhida para representar as pescadoras artesanais. A sua participação dedicada na Conferência estadual assegurou também a vaga na Conferência Nacional, onde fez um forte trabalho de convencimento dos colegas de delegação sobre a importância da aprovação das medidas incluídas a favor dos pescadores e pescadoras artesanais. “Éramos apenas 3 pescadoras lá e queria que as minhas companheiras lutassem mais para participarem desses espaços”, defende. Mas apesar do desejo de maior participação, Mirelly entende que os empecilhos são muitos. “Eu entendo as dificuldades dos meus colegas e das minhas colegas nas suas bases de terem acesso aos seus direitos como usuários do SUS, já que os governantes de muitos municípios acham que por estarem Secretários, que são eles que mandam na saúde”, reflete. Mas logo em seguida rebate essa visão. “Quem manda na saúde são os usuários. Esse é um direito nosso, o SUS é nosso! O poder é nosso!”, conclui. 


Atividade Autogestionada

As pescadoras participaram ainda da Atividade Autogestionada “Populações do Campo, da Floresta e 
das Águas - modelo de desenvolvimento na determinação social do seu processo de saúde-doença”, uma das atividades da Conferência Nacional de Saúde.

A roda de debates contou com a participação de representantes de movimentos sociais do campo e de populações tradicionais para discutirem os principais problemas de saúde que afligem as populações do Campo, das Florestas e das Águas. A violência causada pelo modelo de desenvolvimento, que expulsa essas comunidades dos seus territórios, e as doenças geradas pelo uso excessivo de agrotóxicos foram alguns dos problemas mais apontados no debate. 

Outra dificuldade relatada pelos participantes está em estabelecer uma relação direta entre problemas de saúde e o uso excessivo de agrotóxicos. “De 10% a 15% dos meus diagnosticados sofrem com intoxicação causada por agrotóxicos, mas é muito difícil fechar um diagnóstico. É uma briga para o usuário ser reconhecido”, relatou uma das médicas participantes da atividade.  

Ao final, os participantes elaboraram uma carta onde denunciam essas ameaças à saúde dos povos dos campos, das florestas e das águas, além de apontarem o capitalismo e os grandes empreendimentos econômicos, como a mineração, agronegócio e o turismo predatório, como responsáveis por debilitar a saúde dos povos de forma a causar doenças por intoxicação, além de sofrimento psicossocial. A Carta ainda defende o Sistema Único de Saúde (SUS) e a saúde como um direito de todos. Confira a Carta, na íntegra, aqui!

Redação, na íntegra, das propostas aprovadas pelas pescadoras artesanais na Conferência Nacional de Saúde:

- Implementar programas de saúde do pescador (a) artesanal que contemple o fornecimento de repelentes e protetor solar aos pescadores (com controle por meio de Registro Geral da Pesca), considerando que os catadores marisqueiros e pescadores ficam expostos à locais com muitos insetos, bem como exposição ao sol, apresentando em fator disto, um alto número de câncer de pele e outras doenças dermatológicas.
- Criar programa de saúde do pescador e pescadora em consonância com os direitos da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e das Águas (PNSIPCFA), com acompanhamento de agentes comunitários de saúde. 

Outras conquistas

A aprovação das propostas não foi a primeira conquista das pescadoras após o projeto "Educação em Saúde do Trabalhador da Pesca Artesanal e Formação de Agentes Multiplicadoras em Participação na Gestão do SUS". Em janeiro de 2018, o Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (DSAST), do Ministério da Saúde, lançou a Nota Informativa Nº 5/2018-DSAST/SVS/MS, que informa sobre as principais demandas de vigilância em saúde de trabalhadoras e trabalhadores da pesca artesanal, além de recomendar 22 ações para a Rede Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (RENASTT) e para todas as Redes de Atenção à Saúde (RAS), no âmbito do SUS.

O documento informa os 11 principais problemas que afetam as trabalhadoras e os trabalhadores da pesca artesanal, que incluem a sobrecarga de trabalho e riscos graves à saúde causados por esforços repetitivos que colocam a profissão de pescadoras artesanais como uma das que mais apresentam casos de Lesões por Esforços Repetitivos e Doenças Osteoarticulares Relacionadas ao Trabalho – LER/DORT. Estudos epidemiológicos recentes indicam que pescadoras marisqueiras apresentam as mais altas frequências destas patologias dentre todas as categorias de trabalhadores, mas que persistem desconhecidas nos serviços de saúde do SUS.

Por isso, uma das 22 recomendações feitas pelo documento, inclui que sejam estabelecidos nexos entre patologias e riscos relacionados ao trabalho de acordo com as particularidades da pesca artesanal em todas unidades e serviços do SUS.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Para as pescadoras, a Marcha das Margaridas apontou a importância de participar conjuntamente das lutas.

Hoje (21/08) completa oito dias da Marcha das Margaridas, maior mobilização conjunta de mulheres
da América Latina, que reuniu mais de 100 mil mulheres numa caminhada de quase 6 km, entre o Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade e o Congresso Nacional, com uma duração de cinco horas, ocupando boa parte do Eixo Monumental, em Brasília. As pescadoras artesanais, apesar de terem estado numa pequena delegação, participaram levando as suas pautas e vendo na Marcha das Margaridas a oportunidade de estarem presentes nas discussões nacionais das Mulheres do Campo, das Florestas e das Águas.

Representantes do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) e da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) dos estados de Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte, além de pescadoras da Bahia pela Confrem (Comissão Nacional para o Fortalecimento das RESEX Marinhas), estiveram presentes e levantaram as suas bandeiras.

Para a pescadora Rita de Cássia da Silva, da ANP do Rio Grande do Norte, a Marcha foi a oportunidade de se fortalecer na luta. “Foi um sonho realizado, além da importância do empoderamento dessas mulheres, que me deixou mais fortalecida. O que achei mais importante foi a união das mulheres”, reflete a pescadora.  Rita também elogia os momentos de formação que aconteceram durante a Marcha. “A importância também foram os debates, as oficinas, muito empoderamento das mulheres e da nossa organização”, elogia. 

A opinião também é compartilhada pela marisqueira de Sergipe Gilsa Maria Silva. Ela faz parte há cinco anos do Movimento das Marisqueiras de Sergipe e está participando pela primeira vez da Marcha das Margaridas. Apesar do cansaço após os vários dias de viagem, a marisqueira vê no evento o fortalecimento da esperança. “Nessa marcha a gente conhece gente de muitos lugares e de muitas cores. Aqui, a gente vê também que não estamos sozinhas”.

Cercas que impedem o acesso aos mangues e doenças causadas pelo contato excessivo com a lama são algumas das preocupações das marisqueiras, por isso a Reforma da Previdência aprovada recentemente pela Câmara dos Deputados preocupa a pescadora e também foi tema de debate nas formações realizadas na Marcha. “Na palestra sobre Previdência Social, ficamos sabendo sobre os nossos direitos, que esse presidente quer tirar”. Gilsa também acredita que o impacto da reforma não atinge apenas as pescadoras, mas todas as classes sociais. “Aqui a gente vê que precisa se juntar, se coligar com todos os movimentos para dar força pra gente, para orientar e para nos apoiar para seguir em frente”, defendeu.

Na avaliação do evento, Rita aponta também a necessidade de uma maior participação das pescadoras artesanais. “Nós pescadoras temos que ocupar esses espaços. Nós, mulheres das águas, temos que nos articular para estar mais presente. Tinha muito mais agricultora que pescadora”, avalia. Para a próxima Marcha, daqui a quatro anos, o objetivo é aumentar a participação. “Poderíamos daqui a quatro anos se articular melhor para levar pelo menos dois ônibus de pescadoras. Temos que ocupar os espaços, sermos mais fortes,  organizadas e termos mais estratégia”, conclui.