segunda-feira, 16 de maio de 2016

Segunda oficina de formação sobre SUS acontece em Olinda (PE)

Uma dura rotina de trabalho, que envolve uma jornada laboral de quase 14 horas, permeada por uma serie de movimentos repetitivos, tornam as pescadoras um dos grupos mais vulneráveis às doenças laborais. É para discutir esse assunto que 45 pescadoras de três estados (Alagoas, Pernambuco e Sergipe) participam hoje (16/05) e seguem até o dia 20/05, na oficina de formação do Projeto de Educação em Saúde do Trabalhador da Pesca Artesanal e Formação de Agentes Multiplicadoras em Participação na Gestão do SUS, em Olinda (PE), na sede do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP).
Fruto de uma parceria entre a Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), Ministério da Saúde, Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), o encontro tem como objetivo trazer informações teóricas e metodológicas para que as pescadoras artesanais tenham condições de melhorar as suas condições de trabalho e dessa maneira as suas condições de saúde e de vida. Essa é a segunda oficina de um total de 11, envolvendo pescadoras de 16 estados brasileiros. A primeira oficina foi realizada em abril, na cidade de Remanso, na Bahia. O projeto é dividido em 8 etapas, tem uma duração de 17 meses e deve ser encerrado com um encontro nacional, em 2017.

“Esse encontro vai ser importante para termos conhecimento sobre a nossa saúde e sobre o SUS”, explica a pescadora de Cabo de Santo Agostinho (PE) e membro da ANP, Gicleia Maria Santos. Gicleia também faz parte da equipe de 11 pescadoras mobilizadoras responsáveis por articular a participação das pescadoras nos encontros e por sistematizar a coleta inicial de dados que ajudam a criar um perfil das comunidades pesqueiras e da rotina de trabalho das trabalhadoras da pesca. Para a mobilização desse encontro, 9 comunidades pesqueiras nos estados de Alagoas e Pernambuco foram visitadas.

Além da equipe de mobilização há ainda a participação dos médicos do trabalho e pesquisadores Paulo Pena da UFBA e Carlos Minayo da Fiocruz do Rio de Janeiro. A pesquisadora e fisioterapeuta Thaís Dias e a psicóloga e consultora do Ministério da Saúde, Suely Oliveira, também fazem parte da equipe de assessores que estão ajudando na formação das pescadoras.

“Esse encontro vai ser muito bom para debater as doenças das pescadoras. Vamos poder levar isso para o INSS e fazer com que haja o reconhecimento de algumas dessas doenças”, comemora a pescadora de Itapissuma (PE) e membro da ANP, Joana Moufinho. A inexistência de notificações sobre algumas dessas doenças é o que tem dificultado, para boa parte das pescadoras, o acesso a alguns dos benefícios da previdência social.

Por isso, a oficina traz informações sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e discute as doenças laborais a partir do conceito ampliado de saúde, que engloba as condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, acesso/posse de terra, acesso a serviços de saúde, entre outros. Através de um roteiro elaborado previamente, as participantes do encontro fizeram um levantamento de informações nas comunidades que ajudaram a traçar um perfil da rotina de trabalho e das doenças que assolam as comunidades pesqueiras. A formação sobre o SUS tem o objetivo de fazer com que as pescadoras possam exercer também o controle social na área.

“A expectativa é que as mulheres saiam com o maior conhecimento possível e assim possam definir estratégias para a melhoria da sua saúde”, explica a agente do Conselho Pastoral dos Pescadores Nordeste II,  Laurineide Maria Santana. A expectativa é que 450 pescadoras sejam beneficiadas diretamente. Como há intenção de que cada uma dessas trabalhadoras multiplique a mensagem para mais 50 mulheres em suas comunidades, os números ao final do projeto devem ser ainda maiores.

Durante as oficinas, serão elaborados Planos de Ação que ajudarão na construção de materiais pedagógicos, como cartilhas, vídeos, entre outros produtos.  No Seminário Final, além da apresentação dos materiais pedagógicos, há a expectativa de que seja proposto o Plano de Ação para a Saúde do Pescador e Pescadora do país. “O plano de ação será inter setorial, vai envolver várias áreas, como a assistência farmacêutica, o setor de educação, entre outros”, reflete a analista de política social e representante do Ministério da Saúde, Gisella Garritano. “A visibilidade que será dada às doenças que afligem os pescadores, não beneficiará apenas os pescadores, mas toda a sociedade”, acredita Gisella. O médico Paulo Pena concorda. “Muitas doenças do mundo do trabalho precisam ser diagnosticadas. Pescadoras se expõem a riscos e doenças que não são tratadas e são invisíveis”.

Saúde da mulher
Além da discussão sobre as doenças laborais, as pescadoras terão a oportunidade de discutir sobre temas específicos relacionados à saúde da mulher. Essa etapa do curso fica a cargo da psicóloga e consultora do Ministério da Saúde, Suely Oliveira. “Nós pegamos mais doenças que os homens, por isso a importância de discutir as doenças que acometem as mulheres pescadoras”, reflete Gicléia Maria Santos.

Além da discussão sobre as doenças, outra temática a ser debatida diz respeito à violência contra as mulheres. “Nós sofremos agressões físicas e morais, tanto dentro das colônias de pescadores quanto dentro de casa”, aponta Joana Moufinho. Por isso o encontro é também uma forma de combater essas violências. “A aproximação de mulheres de outras localidades nos dá mais condições de lutar e de brigar por mudanças”, finaliza Moufinho.

Serviço:
O quê: Oficina do Projeto de Educação em Saúde do Trabalhador da Pesca Artesanal e Formação de Agentes Multiplicadoras em Participação na Gestão do SUS
Quando: 16 a 20 de maio de 2016
Onde: Sede do Conselho Pastoral dos Pescadores - Endereço: Av. Gov. Carlos de Lima Cavalcanti, 4688 – Casa Caiada – Olinda/PE

terça-feira, 26 de abril de 2016

Pescadoras da Bahia participam de formação sobre SUS e discutem doenças laborais

Começou ontem (25/04), na cidade de Remanso (BA), e vai até o dia 29 de abril, as oficinas do
Projeto de Educação em Saúde do Trabalhador da Pesca Artesanal e Formação de Agentes Multiplicadoras em Participação na Gestão do SUS. Fruto de uma parceria entre a Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), Ministério da Saúde,  Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), o evento tem o objetivo de trazer informações teóricas e metodológicas para que as pescadoras artesanais tenham condições de agir organizadamente para melhorar as suas condições de trabalho e dessa maneira as suas condições de saúde e de vida.

Essa primeira oficina dá início à um total de 11, envolvendo pescadoras de 16 estados brasileiros. O projeto deve ser encerrado com um encontro nacional, em 2017. A expectativa é que 450 pescadoras sejam beneficiadas diretamente. Como há intenção de que cada uma dessas trabalhadoras multiplique a mensagem para mais 50 mulheres em suas comunidades, os números ao final do projeto devem ser ainda maiores. A oficina de Remanso, que está servindo como uma experiência piloto do projeto, está tendo a participação de 40 pescadoras de 22 municípios baianos.

O projeto é dividido em 8 etapas,  tem uma duração de 17 meses e conta com a participação dos médicos do trabalho e pesquisadores Paulo Pena da UFBA e Carlos Minayo da Fiocruz do Rio de Janeiro. A pesquisadora e fisioterapeuta Thaís Dias e a psicóloga e consultora do Ministério da Saúde, Suely Oliveira, também fazem parte da equipe de assessores que estão ajudando na formação das pescadoras. Há ainda um grupo de 11 pesquisadoras populares, que incluem trabalhadores da pesca, inseridas no grupo gestor do projeto. Elas são responsáveis por articular a participação das pescadoras nos encontros, além de ajudar na sistematização e coleta inicial de dados que ajudam a criar um perfil das comunidades pesqueiras e da rotina de trabalho das trabalhadoras da pesca.

A oficina traz informações sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e discute as doenças laborais a partir do conceito ampliado de saúde, que engloba as condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, acesso/posse de terra, acesso a serviços de saúde, entre outros. Através de um roteiro elaborado previamente, as participantes do encontro fizeram um levantamento de informações nas comunidades que ajudaram a traçar um perfil da rotina de trabalho e das doenças que assolam as comunidades pesqueiras. A formação sobre o SUS tem o objetivo de fazer com que as pescadoras possam exercer também o controle social na área. “Queremos estar preparadas para fazer o controle social e também ficar conscientes à respeito das notificações de doença”, explica Elionice Sacramento, pescadora de Salinas da Margarida e membro da coordenação nacional da ANP.

As notificações às quais Elionice se refere, dizem respeito à outra queixa recorrente entre as trabalhadoras da pesca: a dificuldade em ter acesso aos benefícios previdenciários. “Há uma invisibilidade da atividade da pesca e essa invisibilidade gera ausência de notificações sobre as doenças de trabalho relacionadas à pesca”, analisa a pescadora.

O relato de Elionice pode ser comprovado pela fala da pescadora Eliete Cunha. “Fui a primeira mulher pescadora daqui de Remanso a dar entrada no salário-maternidade, há 21 anos atrás”, conta Eliete, membro da Associação de Pescadoras de Remanso. Na época, as funcionárias do INSS questionaram se trabalhadoras da pesca tinham direito ao benefício. “Elas também questionaram se eu era pescadora de verdade. Minha mãe, que estava comigo, então disse que não sabia que pescadora tinha que andar com a rede nas costas pra ser reconhecida. Só depois disso elas me respeitaram”, relembra.

Durante as oficinas, serão elaborados Planos de Ação que ajudarão na construção de materiais pedagógicos, como cartilhas, vídeos, entre outros produtos.  No Seminário Final, além da apresentação dos materiais pedagógicos, há a expectativa de que seja proposto o Plano de Ação para a Saúde do Pescador e Pescadora do país. “O plano de ação será inter setorial, vai envolver várias áreas, como a assistência farmacêutica, o setor de educação, entre outros”, reflete a analista de política social e representante do Ministério da Saúde, Gisella Garritano. “A visibilidade que será dada às doenças que afligem os pescadores, não beneficiará apenas os pescadores, mas toda a sociedade”, acredita Gisella. O médico Paulo Pena concorda. “Muitas doenças do mundo do trabalho precisam ser diagnosticadas. Pescadoras se expõem a riscos e doenças que não são tratadas e são invisíveis”.

Histórico
O projeto, que formará pescadoras em todo o país, é uma conquista das trabalhadoras da pesca,
articuladas na ANP, que já há alguns anos vêm discutindo sobre as doenças ocupacionais, que afligem a categoria. Ainda em 2003, as pescadoras da região do Recôncavo Baiano se reuniram para discutirem a questão de gênero e se deram conta do grande número de doenças relacionadas ao trabalho que as estavam atingindo. A partir do relato das pescadoras, o médico do trabalho e professor da UFBA, Paulo Pena iniciou uma pesquisa e conseguiu identificar várias doenças relacionadas ao esforço repetitivo, surgidas a partir do trabalho da pesca.

Após essa pesquisa, o Hospital das Clínicas da UFBA passou a disponibilizar, durante dois dias da semana, o serviço de atendimento às mulheres pescadoras, que sofriam de doenças causadas pelo trabalho. Cerca de 1000 pescadoras foram atendidas. Essas discussões sobre a saúde das trabalhadoras da pesca estavam acontecendo simultaneamente em outras regiões do país. “Nós percebemos que precisávamos fazer com que a atenção à saúde das pescadoras se tornasse uma política pública”, explica Elionice Sacramento.

Em 2011, num encontro nacional das pescadoras foi levantada novamente a questão da dificuldade de acesso à Previdência Social. Nessa ocasião foi tirado um planejamento para realizar encontros que discutiam a questão da saúde e da previdência. Em 2013 foi conseguida uma aproximação com o Ministério da Saúde, junto à Secretaria de Gestão Participativa e após a aprovação da Política Nacional de Saúde das Populações do Campo, da Floresta e das Águas, foi realizada uma oficina nacional com 40 pescadoras, em Olinda (PE). O encontro incentivou a inserção de oito pescadoras em conselhos estaduais e municipais de saúde. Com a proposta de ampliar essa formação, surgiu o atual projeto que realizará oficinas em todo o país.

“Esse projeto permite uma integração extremamente importante, entre os problemas relacionados à saúde da pescadora e do pescador, com as políticas dos povos do campo, das florestas e das águas. A questão do território é extremamente importante. A manutenção do território saudável permite a manutenção de um lugar de trabalho saudável”, refletiu o médico Paulo Pena.

A questão do território garantido e saudável realmente está vinculada a ideia de saúde formulada pelas pescadoras. Muitas das pescadoras têm identidade quilombola, indígena, ribeirinha e extrativista e os seus territórios estão em conflitos com fazendeiros e grandes empresas. As pescadoras sofrem igualmente com a poluição causada pelas indústrias e pelos agrotóxicos e por isso a saúde delas é ameaçada não apenas por movimentos repetitivos, mas também pela não garantia dos territórios pesqueiros. “Por causa da globalização, por causa da destruição do nosso território, estamos morrendo”, constatou Maria da Conceição Confessor, pescadora da comunidade quilombola Engenho da Ponte, do município de Cachoeira (BA). Para a pescadora Elionice Sacramento, a definição de saúde é dita sem titubeio. “Para mim, saúde é território garantido”.

Serviço
O quê: Projeto de Educação em Saúde do Trabalhador da Pesca Artesanal e Formação de Agentes Multiplicadoras em Participação na Gestão do SUS
Onde: Campus da UNIFAN (Faculdade Alfredo Nasser), em Remanso (BA)
Quando: 25 a 29 de abril de 2016

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Após manifestação em Salvador, pescadoras avançam em relação ao RGP e conseguem parcerias contra o decreto 8425

Depois de dois dias, 20 e 21, ocupadas na sede do Ministério da Pesca da Bahia, pescadoras ligadas ao Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) e à Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) conseguiram a liberação de 400 Registros Gerais de Pesca (RGP) pedentes de 2011 a 2015, além do descancelamento imediato de dezenas de registros e da recepção de novas inscrições iniciais de RGP com prazo de um mês para entrega. A manifestação também resultou na criação de uma agenda com órgãos e instituições de apoio aos povos e comunidades tradicionais para incidir na revogação do decreto 8425 que vem afrontando os direitos das percadoras e dos pescadores artesanais do Brasil. Na ocasião, também foram coletadas assinaturas para a Campanha Nacional pela Regularização do Território Pesqueiro.

Para assinar a petição online contra o decreto 8425, clique aqui

Confira fotos do ato feitas pelo MPP e pela ANP durante a manifestação que acabou com um almoço coletivo:








quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Pescadoras ocupam Ministério da Pesca na Bahia e realizam atos públicos em defesa da sua identidade cultural

Por MPP Bahia

Desde a manhã de hoje, mais de 500 pescadoras integrantes da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) e do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) ocupam a sede da Superintendência da Pesca e Aquicultura na Bahia e realizam diversos atos públicos em frente ao Elevador Lacerda em Salvador. O ato segue até o dia de amanhã.

As pescadoras denunciam as arbitrariedades do governo federal que visam negar a identidade cultural das pescadoras conforme descreve de forma autoritária o decreto 8425 que entrou em vigor no dia 15 de Julho de 2015. Ao mesmo tempo, querem dar visibilidade a importância cultural, social e econômica das atividades pesqueiras praticadas tradicionalmente por essas mulheres.
Assine a petição online contra o decreto 8425, clique aqui.



quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Encontro Estadual das Mulheres Pescadoras acontece em Pernambuco

Ontem e hoje, acontece o Encontro Estadual das Mulheres Pescadoras de Pernambuco, no município de Gaibu, Litoral Sul do estado. O encontro é uma iniciativa da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) e reúne mulheres do Litoral, do Agreste e do Sertão de Pernambuco para discutirem estratégias de luta a nível regional e nacional, entre elas, ações para derrubar o decreto 8425, que entrou em vigor no último mês de julho, e o fortalecimento da Campanha Nacional pela Regularização do Território Pesqueiro. 

Para assinar a petição online contra o decreto, acesse aqui.



sexta-feira, 6 de março de 2015

Articulação Nacional das Pescadoras: a contribuição das mulheres para a luta das comunidades pesqueiras do Brasil.

Por Assessoria de Comunicação do CPP Nacional | Texto: Méle Dornelas

Fundada em 2005, a Articulação Nacional das Pescadoras do Brasil (ANP) representa uma vertente
dos movimentos sociais na qual as mulheres começam a inserir junto às questões de seus grupos pontos no âmbito do gênero. Indo de encontro à lógica patriarcal vigente na sociedade, as pescadoras do Brasil perceberam a necessidade em se organizarem coletivamente a fim de garantir diretos que sempre lhes foram negados. Antes vistas só como “ajudantes” de seus maridos, as mulheres do mundo da pesca querem não só o reconhecimento como atoras importantes para a produção pesqueira nacional, mas também como agentes essenciais para a luta das comunidades pesqueiras.

Com o Dia Internacional da Mulher chegando, 08 de março, trazemos essa entrevista com duas integrantes da ANP, a pescadora de Itapissuma/Pernambuco, Joana Mousinho, e Maria Eliene (Maninha), pescadora de Fortim/Ceará. 

CPP: Como foi o início da luta das mulheres pescadoras no Brasil?
Joana: A organização para a nossa luta começou em Itapissuma/PE, nos anos 70, com o apoio da Irma Maria Nilza. A irmã veio da Paraíba, e quando chegou por aqui, começou a reunir as mulheres para discutir o evangelho e questões de direitos e deveres. As primeiras mulheres a tirarem a carteira de pescadora foram de Itapissuma graças à mobilização feita por nós. Depois de Itapissuma, esse direito foi chegando em outras cidades, expandindo nossa luta. Com o apoio do CPP, a luta das mulheres conseguiu chegar a mais comunidades espalhadas pelo Brasil.

CPP: Em 2005 surgia a ANP, como foi o processo de fundação e quais as principais dificuldades que vocês encontraram?
Joana: A ANP surgiu quando o governo federal convidou as mulheres pescadoras do Brasil a participarem de um Congresso em Brasília para fazer discussões sobre a realidade das mulheres da pesca. Nós fizemos diversas propostas e nenhuma saiu do papel, por isso, resolvemos fundar a ANP, para que nossas pautas se fortalecessem e fossem conquistadas.
Maninha: Vimos a necessidade de formar um grupo e nos fortalecer pela dificuldade de sempre estar indo de encontro em encontro. Formamos a ANP porque nada do que a gente falava era considerado por ninguém que não fôssemos nós mesmas. A dificuldade que sentimos foi porque eram poucas mulheres, pois seus companheiros não as deixavam sair para passar vários dias fora de casa. E ainda porque muitas não conheciam seus direitos.

CPP: Quais mudanças para as mulheres podem ser exaltadas desde a fundação da ANP?
Joana: Desde o apoio da Irmã Nilza que vemos que o avanço foi muito grande. Antes, a gente como mulher nem conseguia chegar numa colônia. Hoje, muitas de nós somos até presidentes de colônias. Antes, as mulheres não podiam se aposentar, a gente tinha que esperar o marido morrer pra ter acesso à sua aposentadoria. Só em 1993 é que as mulheres casadas passaram a ter direito a se aposentar. Não tínhamos direito ao salário maternidade, e hoje já temos. Só em ver o número de mulheres cadastradas nas colônias, as mulheres aposentadas e a união de grande parte das mulheres para defender os direitos, percebemos como são muitos os avanços. Com a ANP, conseguimos o contato com o Ministério da Saúde, com quem estamos debatendo as nossas doenças ocupacionais. Ainda podemos ver mulheres da pesca saindo para outros países para falar de nossas questões. A ANP ainda está inserida em outras articulações, como a Articulação de Trabalhadoras Rurais, o que esta dando uma visibilidade muito grande para nossa luta.
Maninha: Com a ANP, muitas agora saem para os encontros e possuem mais conhecimento. E hoje também não temos vergonha de dizer que somos pescadoras ou marisqueiras.

CPP: Como você percebe o papel das pescadoras na luta das comunidades pesqueiras atualmente? Qual o papel delas na luta em defesa do território tradicional pesqueiro?
Joana: Eu acho que na luta em defesa dos territórios pesqueiros, as mulheres são muito atuantes. Vemos mais mulheres nas ocupações, nos manifestos. E isso porque é a gente quem mais sofre, nós é que estamos ali na beira da praia todo dia, enquanto os homens estão no mar. Quando expulsam nossas comunidades, somos nós que estamos lá. Os homens também sofrem, mas a carga maior recai na gente.

CPP: Em relação às doenças, há também uma maior incidência entre as mulheres?
Joana: A gente adoece mais rápido porque temos várias jornadas de trabalho: tomamos conta da casa, maridos, filho; pescamos, cuidamos do produto pescado, vamos às feiras comercializá-los.
Maninha: Sim, há uma maior incidência ente as mulheres. A mulher quando vai pescar e está menstruada, por exemplo, fica mais vulnerável. Também pelo trabalho que estamos inseridas: por estarmos quase sempre em contato com a água, pelo nosso tipo de coleta, estamos mais expostas. Nós estamos mais nos mangues, em contato com as águas, e ficamos mais expostas a pegarmos doenças, pois muitas dessas águas estão poluídas.

CPP: A luta das pescadoras possui linhas específicas. Quais as principais questões pautadas pela ANP hoje?
Joana: As doenças ocupacionais, o próprio território pesqueiro, a briga por causa da pensão por morte (marido) e a incidência no MPA que não está fazendo a carteira de pesca, e com isso estamos perdendo os direitos previdenciários. Ainda tem a nossa luta por causa da água que está sendo privatizada.
Maninha: O reconhecimento das doenças ocupacionais; nossos direitos previdenciários; o acesso à terra e à água; a ampliação da ANP com mais pescadoras e a ampliação das políticas específicas para a mulher da pesca.

CPP: De quase 10 anos para cá, foram realizados quatro encontro Nacionais da ANP. Qual o balanço que você faz desses encontros e quando teremos o próximo?
Maninha: Eu vejo as mulheres bem preparadas para buscar nossos direitos, além disso, aconteceu um crescimento da mulher no seu papel e a gente vê a presença do MPP e da ANP em encontros internacionais. Ainda temos o engajamento com outros movimentos e redes. Nosso próximo encontra acontecerá no Maranhão em 2016.

CPP: Como está a relação junto ao governo? Agora em abril vocês terão reuniões em Brasília, poderia nos adiantar quais as prioridades para essa agenda?
Maninha: De 06 a 10 de abril, vamos ter reunião com o Ministério da Saúde para tratar sobre as doenças ocupacionais e também com o Ministério da Pesca e a Superintendência Geral da União (SPU) para tratar de outras pautas.

CPP: Cerca de 70% do pescado nacional vem da pesca artesanal, mas o governo desconsidera esse número negando a importância das comunidades pesqueiras para o país. Sabemos que a questão é ainda mais profunda quando falamos do trabalho das mulheres. Como as pescadoras se inserem na produção pesqueira e por que podemos considerar que esse processo de invisibilidade é ainda mais forte para elas?
Joana: Acho que nós contribuímos até mais do que os pescadores, porque a gente ainda beneficia os nossos produtos. Fazemos caldinhos, arte para vender nas praias, por exemplo. O Sururu, o marisco, o aratu, e peixes (muitas pescam também) surgem do nosso trabalho, muitos desses frutos os homens não pescam, só nós.
Maninha: Nós nos inserimos pelo nosso trabalho porque sem ele a produção pesqueira não seria de 70%, e nós MULHERES também colocamos o pescado na mesa do Brasileiro. E as mulheres são mais invisibilizadas porque o homem já leva a fama de pescador, e a mulher não, e isso porque eu acho que o machismo esta na própria sociedade e também no MPA que não nos considera.

CPP: O protagonismo das mulheres é evidente no Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP), mas isso reflete dentro das comunidades? Como o machismo pode frear os avanços conquistados?
Joana: Tem mulheres que pagam a colônia dela e dos maridos, pois possuem já as condições e querem os incluir. Mas existem lugares em que o machismo é tão forte que as mulheres tem medo de serem prejudicas, de serem ameaçadas. Homem que é presidente e não quer que as mulheres participem das decisões…
Maninha: Hoje as mulheres se sentem encorajadas para a luta junto com seus companheiros. Porém, apesar de antes ser mais forte, muitos maridos ainda não deixam as mulheres participarem dos processos.

CPP: A ANP é sem dúvida uma importante articulação para a luta das pescadoras e exemplo para a luta das mulheres de todo Brasil e de diversos segmentos. Quais conquistas você espera para a ANP nos próximos anos?
Joana: Espero que a gente fortaleça o discurso da água, que se resolva esse caso das nossas carteiras, que também é uma causa dos pescadores. Quando brigamos, brigamos pelos homens também. Que a gente consiga as assinaturas em defesa do nosso território pesqueiro.
Maninha: Esperamos ter mais visibilidade e empoderamento das mulheres pescadoras; queremos o reconhecimento das doenças ocupacionais pelo SUS e INSS; esperamos mais companheiras na luta e também fortalecer a base através de nossos conhecimentos. Ainda: espero o sucesso da nossa Campanha pelo Território Pesqueiro.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Encontro da ANP aprova sua carta final

Durante quatro dias, integrantes da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) estiveram reunidas
em seu IV Encontro Nacional, que aconteceu em Pontal do Paraná/PR, discutindo acesso aos direitos previdenciários das pescadoras e saúde de qualidade para a categoria. O momento, que teve seus debates finais na manhã da última sexta-feira, 29, levantou questões essenciais para a qualidade de vida das pescadoras.

O fechamento do evento contou com a aprovação da carta final que traz a importância do Encontro para a construção de estratégias da articulação, seus desafios e principais bandeiras de luta. Além disso, a carta faz denuncias sobre a atual política pesqueira no Brasil, que busca invisibilizar as comunidades pesqueiras, e o descaso dos Ministérios da Pesca e da Previdência Social com o Encontro ao enviar representantes que não poderiam responder às demandas das pescadoras a nível nacional.

Confira a carta completa, clique aqui.